Nunca gostei de emprestar nada de ninguém, parece-me que não consigo devolver o que é dos outros intactamente. Por força do destino, as coisas dos outros se sentem roubadas e choram por seus donos, sempre se desmantelam em mãos alheias! Ainda, maior tolice é locar algo que não se está precisando ou só porque alguém acha que você precisa. Agora, ridículo mesmo é a situação de depositário de uma tralha desatualizada que você vai usar para fingir que é tecnologicamente inserido no contexto atual. Refiro-me à alegria dos professores estatutários do estado ao assinar um contrato de uso de um tablet CCE de fabricação 2011, com um sistema operacional Android 4.0, visto que qualquer telemóvel de hoje opera com o Android 8.0 e outros até com Windows phone 10. Já me vejo num tremendo paradoxo, na frente de meus alunos, fazendo a chamada com meu tablet amarelo e brigando com eles para guardarem os seus celulares, porque o regimento os proíbe.
"VAI COMENDO RAIMUNDO" (e “o salário óhhh”!)
Em meio à rotina escolar, um aluno me chama de pai. Todos os dias, sem falta, ele insiste em me pedir a bênção. Seus pais verdadeiros não se incomodam, nem eu. Afinal, a escola é o seu segundo lar, e eu, por consequência, me torno seu segundo pai. O professor de matemática, por sua vez, torna-se um de seus tios. Não porque compartilhamos o mesmo sangue, mas porque ele também é professor dele. Em alguns momentos, sinto-me honrado, e acredito que o aluno também.
A professora de geografia, por outro lado, não é a favorita dele. No entanto, outros alunos a consideram a mais bela de todas as trabalhadoras ali: pequena e delicada, mas feroz quando necessário. Ela se faz grande diante de sua classe. Certamente, ela não tem inimigos ali, mas os acidentes têm sido uma constante, destacando a dureza da profissão. Uma vez, um aluno acidentalmente atingiu seu rosto, causando-lhe um olho inchado. Em outra ocasião, durante as brincadeiras do recreio, uma borracha foi lançada com tanta força que atingiu sua perna direita, fazendo-a encerrar sua tarde letiva naquele momento.
Por vezes, me pergunto quem é o santo padroeiro dos professores. Deve ser um santo tão desequilibrado e descuidado quanto eu, padrinho da turma do nono ano "B". Eles se vingam de si mesmos por tabela: um suicídio ideológico. Penalizam seus professores como se fosse um esporte, fazendo-nos sofrer em suas "abençoadas" garras. Até os momentos bons são frutos do cansaço daqueles que nunca nos dão trégua. Estamos tão desacostumados de boas e sadias relações, que até elogios da parte deles, vemos como tentativas de nos enganar! Então, no trabalho, andamos e falamos como quem pisa em ovos; é impossível não quebrá-los.
Eles, os intermediadores do conhecimento, querem aprender através de métodos que eles mesmos escolheram! E assim vai: "vai comendo Raimundo", como dizia o personagem do finado Chico Anysio, na Escolinha do professor Raimundo. E o salário, óhhh! E "vai comendo..." só no sentido figurado, pois o lanche da escola é só para os alunos; os professores, se tocarem, são considerados transgressores. Nesse particular, os alunos não precisam de exemplo e continuarão jogando arroz nos colegas.
No final das contas, somos todos parte de uma grande família disfuncional, aprendendo e ensinando uns aos outros, tropeçando e levantando, rindo e chorando. E, apesar de tudo, não trocaria essa experiência por nada. Pois, no final do dia, somos todos professores e alunos, aprendendo as lições mais importantes da vida: resiliência, empatia e, acima de tudo, amor.